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08 de Setembro de 2022

Produtos da construção civil ficam até 19% mais caros e consumidores reclamam

Quando começou a reformar a cozinha de casa, o motorista por aplicativo Daniel Nascimento, 35 anos, pretendia usar a poupança para comprar o material e pagar a mão de obra, mas os gastos superaram as expectativas em quase 40%. O motivo foi a alta no valor dos insumos. Segundo o Índice de Preços no Consumidor (IPCA), os maiores acumulados dos últimos 12 meses foram da tinta (19,52%), cimento (14,51%), material hidráulico (3,83%) e mão de obra (3,05%).

"Meu pai fez uma reforma parecida na cozinha da casa dele, no ano passado, e gastou quase metade do que eu paguei. Fiz pesquisa de preço, chorei desconto e até consegui uns abatimentos, mas, mesmo assim, paguei mais caro. Já avisei a minha esposa que a próxima reforma só quando os preços baixarem", contou.

As maiores despesas dele foram com o material de acabamento, como tinta e madeira. Já a professora Márcia de Souza, 44, que está ajudando a filha a construir uma casa, contou que o que mais pesou no orçamento foi o cimento. Segundo o IPCA, índice pesquisado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o cimento teve acumulado de 11,68% esse ano e de 14,51%, nos últimos 12 meses.

"Mesmo dividindo as despesas, a conta ficou salgada. A gente andou, pesquisou bastante e comprou o que era mais em conta e, ainda assim, ficou pesado. Como sobrou um pouco de cerâmica e tem um vizinho construindo aqui perto que comprou cimento a mais, a gente trocou o nosso material com o dele. Mas falta muito até a casa ficar pronta", disse.

Proprietários, gerentes e vendedores de lojas de materiais de construção também reclamaram dos preços e disseram que alguns produtos quase dobraram de valor se comparado com o período antes da pandemia. Os principais vilões são o cimento e o bloco, insumos indispensáveis na maioria das obras.

Em média, o cimento tem custado de R$ 39,50 a R$ 49,90, dependendo da marca. Antes, era possível encontrar as melhores marcas por R$ 34,50. Já o milheiro do bloco está variando de R$ 850 a R$ 900. Esse produto custava R$ 480 antes da pandemia. José Felipe Ferreira, gerente administrativo da loja Carvalho Material de Construção, na Boca do Rio, frisou que apesar da crise a demanda não diminuiu.

"Na pandemia, tivemos que fazer lista de espera. Os clientes colocavam o nome na lista e ficavam aguardando pela chegada do material, às vezes, por 15 dias. Nesse período os preços dispararam. Um milheiro de bloco chegou a custar R$ 1,5 mil. Houve uma redução, hoje, está saindo por R$ 880, mas a gente esperava que o setor estivesse melhor", contou.

A advogada Tatiana Carla Ferreira é proprietária da Ferreira Materiais de Construção, em Sussuarana, e contou que cimento e piso ainda são os principais alvos de reclamação. "Houve um pico nos preços durante a pandemia, porque a indústria foi afetada, mas a gente esperava uma diminuição que não ocorreu na mesma proporção. Desde o ano passado, os preços só aumentaram. O piso que custava R$ 24, hoje, está de R$ 38", disse.

Vendedores no Imbuí e em Pirajá disseram que perceberam queda na demanda e acreditam que ela está relacionada com alta nos preços dos produtos e com a redução dos auxílios oferecidos no auge da pandemia.

Fatores

Apesar do aumento de preço, o vice-presidente da Associação dos Comerciantes de Material de Construção do Estado da Bahia (Acomac-BA), Geraldo Cordeiro, afirma que os custos estão voltando ao equilíbrio gradualmente e apenas materiais influenciados pelo alto preço de de insumos como PVC, diesel e energia estão aumentando.

Cordeiro explica que a alta demanda em 2020 e 2021 e a escassez de insumos aumentaram o valor dos materiais no comércio. Durante o isolamento, o tempo em casa influenciou no interesse em fazer "puxadinhos" ou reparos, ampliando procura por produtos básicos, como bloco, cimento e aço. A busca resultou na escassez de materiais no mercado e consequente elevação do preço.

O cenário aconteceu ainda quando as fábricas estavam sem funcionamento e produção. Logo, a alta demanda, que eleva preços ainda foi ao encontro do desabastecimento mundial. O resultado da soma de fatores foi a baixa taxa de compra do consumidor.

Quem sentiu os efeitos nas contas do fim do mês foi Gilberto Cerqueira, gerente da loja de materiais de construção O Fazendão, em Cajazeiras. Ele conta que o estabelecimento está trabalhando no vermelho, com lucro diminuindo desde o início do ano. "Em 2020, começaram os aumentos [...], as vendas foram recuando em 2021. Mas 2022, até agora, não disse para o que veio. As vendas caíram de 10% a 15%, não estamos tendo nem lucro porque para vender tem que praticamente colocar preço de custo", ressalta.

A estratégia tem sido fazer promoções e disponibilizar parcelamento em até 12 vezes, porém, a estratégia não está compensando os gastos. Hoje, Cerqueira diz que está trabalhando apenas para não fechar as portas .

Construtores de imóveis, como José Nascimento, 55, também sentiram impacto da oscilação. Ele atua como pedreiro desde que era adolescente e contou que a crise valorizou a profissão ao mesmo tempo em que fez surgir mais amadores no mercado. Nascimento acredita que o aumento é produto da demanda.

"Não fiquei parado durante a pandemia, porque, com o auxílio, muita gente resolveu ajeitar as casas e isso elevou os preços. Mas a verdade é que todo mundo se considera pedreiro, e, com a crise de agora, muita gente tenta fazer o serviço sozinho, sem a orientação de um profissional. O resultado é um serviço mal feito e que precisa ser reparado depois. Cobro mais caro para consertar", analisa.

O crescimento na demanda não é a principal razão para elevar os custos no entendimento do professor de economia da Unifacs e membro do Conselho Regional de Economia da Bahia (Corecon-BA), Alex Gama. Segundo ele, os reajustes no preço dos combustíveis e no barril do petróleo e a inflação impactaram mais que o poder de compra do consumidor.

"É um somatório de fatores. Houve aumento na demanda, com o auxílio e o home office promovendo reformas em casa, mas, sobretudo, houve um aumento de custo na produção dos insumos. O preço do diesel que encarece o frete, da energia usada na produção, a guerra que fez disparar o barril do petróleo e a inflação que afeta todos os setores influenciaram nesse resultado", afirma.

Ele está pouco otimista com uma recuperação ainda esse ano. "A economia brasileira não está crescendo. Talvez, no próximo ano, a gente tenha uma tendência de recuperação, mas isso também vai depender das decisões do próximo governo", disse.

Impacto na indústria

A indústria também vem sentido o impacto do aumento de preços. O Índice Nacional de Custo da Construção (INCC-M), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), divulgado em julho, apontou um acumulado é de 11,66% nos últimos 12 meses. O presidente do Sindicato da Indústria da Construção do Estado da Bahia (Sinduscon), Alexandre Landim, afirma que para levantar um prédio são usados cerca de 300 insumos e que a alta nos preços está forçando o setor a mudar o mercado.

"Alguns insumos subiram muito acima dos indicadores econômicos, como o vergalhão de aço, tubos e conexões em PVC e fios e cabos de cobre. A pandemia provocou um desequilíbrio na cadeia de suprimentos em 2020, mas a gente esperava que a situação estivesse melhor no segundo semestre e a partir de 2021, o que não ocorreu. O Brasil sempre teve uma cadeia de produção muito bem desenvolvida, mas, diante do cenário, vamos buscar fornecedores externos e importar os insumos", explicou.

Ele acredita que a inflação é uma das responsáveis pelo cenário, e frisou que a alta nos preços prejudica a todos. "Perde o contratante, quem vai construir e também os fornecedores, porque todos precisam rever os contratos e os custos. E perde também o comprador final, que tem a capacidade de compra afetada por conta dessa disparada nos preços", disse.

Procuradas, a Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat) e a Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb) preferiram não comentar o assunto.

Economia

Quem trabalha com reforma conta que é possível fazer uma economia significativa com algumas dicas e substituições. A arquiteta Bamidele Fasoyln comanda o escritório Casa de Maria Arquitetura Popular, voltado para pessoas de média e baixa renda moradoras de Salvador e Região Metropolitana, e deu algumas sugestões para reduzir os custos. Uma opção é substituir as cerâmicas pela pintura, adesivos ou papel de parede.

"A gente pode explorar a pintura de diversas formas e o resultado fica muito bom. É possível encontrar adesivos e papel de parede por R$ 49,90, o rolo, ou R$ 29,90, na promoção. Nos últimos anos, a tecnologia melhorou bastante a qualidade desses materiais e eles conseguem imitar mármore, cerâmica e madeira com qualidade", explica.

Nas áreas molhadas, como banheiro e cozinha, é possível abrir mão da cerâmica até o teto e também nas áreas que serão cobertas pelos armários. Outra sugestão é usar materiais reaproveitáveis, como portas, janelas e pisos. A arquiteta recomenda conversar com o pedreiro, já que ele está em contato constante com pessoas que fazem reforma e podem ter materiais sobrando, além de garimpar na internet. Mas é preciso ter prioridades.

"Um erro bastante comum é se preocupar mais com o acabamento do que com as áreas hidráulica e elétrica. Exemplo: cobrir infiltração com cerâmica. Isso não resolve o problema. Depois de um tempo a peça vai ficar oca e cair, e a despesa será muito maior porque terá que quebrar, fazer o reparo e depois refazer o acabamento. É preciso seguir a ordem certa do serviço e evitar o desperdício de material", aconselha.

Fonte: Correio da Bahia